domingo, 10 de outubro de 2010

A pior história que já escrevi...

Maria (sem sobrenome) e Antônia Vasconcelos, ambas 15 anos, ambas aflorando os hormônios, ambas namorando e, pela idade, cometendo todos os erros.

Maria mora longe, talvez o ultimo bairro da cidade, nem sempre o postinho tem camisinha, e nem sempre tendo camisinha ela lembra de pedir pra ele usar.
Antônia Vasconcelos mora perto, poderia ir a pé em shopping's e restaurantes, mas ela tem motorista, e andar a pé só mesmo dentro desses lugares. Ela tem acesso a tudo, e nem sempre usa camisinha, afinal, ela pode tudo.

Maria fica com medo, 1 semana inteira de atraso, vai ao postinho e faz o teste. Não sabe como contar a mãe, que foi mãe aos 16 anos. Mas conta, apanha, choram juntas... sua mãe decide que sua filha não passará pelo mesmo que ela passou...
Antônia faz teste toda semana, a empregada compra os teste na farmácia pra ela, morre de medo de ficar grávida. Sua mãe não chora, fria, olha sua filha e lhe joga na cara: Vagabunda! Diz que jamais filha sua terá filho antes de casar...

Mãe de Maria, envergonhada, pergunta as vizinhas se sabem como pode resolver este problema... uma sugere à menina enfiar uma agulha de trico até sentir o sangue, outra comenta da Dona Cota, benzedeira que mora perto do córrego, ela vai lá...
Mãe de Antônia pega o telefone, liga pra clinica onde fez o tratamento para ter a Antônia, uma das mais caras e conceituadas da cidade. Prontamente atendida por seu médico, diz a ele: “Estou com um problema sério com minha filha... ela fez besteira.” Ele nada pergunta, marca para as 19hs a consulta e ainda diz: “Neste horário não teremos mais ninguém aqui na clinica. Melhor evitarmos perguntas.” Ele já fez bastante isso.

A casa de Dona Cota tem 9 gatos, 3 cachorros e parece que tem outros animais, tamanha é a sujeira que a senhorinha de 83 anos acumula e já não tem forças pra limpar. Maria brinca com o gato, por momentos esquece o porque de estar ali...
A clinica é mais que limpa, e mesmo a noite com a maior parte das luzes apagadas as coisas brilham. Dessa vez o motorista não foi, o caminho foi em silêncio, mãe e filha com o pensamento distante. Antônia a imaginar se sua mãe voltará a olhar pra ela sem ser com esse olhar de reprovação. Sua mãe segurando o choro, fazendo esse esforço para não ter que contar que já passou por isso... O médico as recepciona na garagem, vão até seu consultório sem trocar palavra, lá pede que as duas sentem, e espera, ansioso, ouvir a história. Podemos garantir que essa é a parte que ele mais gosta.

Dona Cota não quer saber de histórias, pergunta dos 200 reais, e se podem fazer tudo hoje. A mãe lhe mostra o dinheiro, com lágrimas nos olhos imaginando o mês que terão pela frente sem esses 200 reais. A menina está anestesiada, chorou tanto essa noite que acha que nunca mais terá forças pra chorar. Dona Cota a manda deitar. “Tira as carça menina. E fica queitinha que eu faço rapidinho.” Ao contrário do que pensava, Maria ainda tem forças pra chorar sim...
Antônia não tem tempo de falar nada, sua mãe a atropela, conta das saídas a noite da menina, que ela, agora se sentindo culpada, fingia não ver, conta como esses adolescentes são desgraçados, o quanto de vergonha que está sentindo. O médico pede calma, diz que isso é normal, abre sua gaveta e pega uma agenda. A cirurgia está marcada para sexta, assim ela fica o fim de semana em casa repousando e na segunda já volta a escola. Ele frisa bem: “Ninguém vai ficar sabendo de nada...” Na recepção passam o cartão de crédito: R$ 3.750,00...

Não foi tão rápido quanto Dona Cota supunha, e doía muito na menina quando ela introduzia em sua vagina uma peça de ferro que ela chamava de “salva meninas”. Era fria essa peça, e se Dona Cota nem a mão lavou, não deve ter lavado isso. Doía demais, ela esperneava, sua mãe segura em sua mão, enquanto rezava baixinho... Fingia não lembrar que o padre reprovaria tudo aquilo. Agora, era só o futuro dela que importava...
Antônia saiu da escola, esperava encontrar sua mãe quando abriu a porta do carro e não tinha ninguém. A entrada na clínica foi pelos fundos, o doutor a esperava, já sabia que viria sozinha. A acalmou: “Querida, vai acordar pra ver Malhação no quarto!” Sobem o elevador, ela finge não ouvir, mas ouve as enfermeiras comentando de sua carinha de santa, de sua pouca idade, também finge não sentir os olhares de reprovação... Anestesia geral, cirurgia limpinha, o doutor pensa “é como fazer uma cessaria”... e as coisas acontecem.

Um grito! Assim Maria dá o sinal de que Dona Cota finalmente acertou. O pedaço de papel imundo que ficava na boca da menina não foi suficiente para conter seu grito e seu choro... seu bebê escorre por suas pernas, não sabe se chora por ele ou por si... A mão de Maria ajuda ela a se limpar e se vestir, Dona Cota sugere ir logo a um posto pra o médico receitar remédios, evitar inflamação e “essas frescuras de meninas novas...”
Antônia acorda, primeira coisa que faz é passar a mão sobre a barriga, morria de medo de ficar com cicatriz... Liga a TV e passa Malhação, no celular 4 chamadas não atendidas, 2 de seu “namorado”, 1 de uma amiga e 1 da mãe... sinceramente ela não sabe qual retornar... deita a cabeça no travesseiro, e chora imaginando se menino ou menina...

No posto o médico reprova a atitude da menina e de sua mãe, mas nem sente coragem de repreende-las, as duas choram tanto e ele percebe, por suas roupas e por onde moram, que mais uma criança ia tornar a vida impossível, receita alguns medicamentos, mas tem certeza que a menina corre o sério risco de ficar estéril...
A mãe liga novamente, ela atende espera um pouco de amor, a mãe diz que em 15 minutos estará lá para buscá-la, prefere esperar mais um pouco para que a clinica esteja vazia. Chega, vê a filha, os olhos vermelhos, semi-viva na cama, lembra de como ficou, se segura, vira para sua filha e diz: “Aqui estão suas malas, vamos pra casa de Bertioga. Vai ficar sem celular, não vai contar a ninguém o que houve!” Antônia não para de chorar...

Só uma delas ficou estéril, só uma dela sentiu dor, só uma delas sentiu o amor de sua mãe... nenhuma delas teve a vida normal depois, nenhuma delas esqueceu... Será mesmo que nenhuma delas precisava passar por isso? Será mesmo que ao proibir ajudamos a não acontecer histórias como essas? Por que só uma teve o direito a não sentir dor, além da dor que já sentia?

Nenhum comentário:

Postar um comentário