quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Casamento de Robert e Couros!

Não se pode dizer que escolheram estar próximos, um importante Senador e um caipira, o Couro! Mas por força do progresso acabaram tendo seus caminhos alterados para andarem lado a lado.
O caipira jamais gostou dessa mudança, ele, pobre ribeirão, não gostava do caminho reto, sem graça, que lhe impunham a troco do que chamavam progresso! Ele preferia as curvas, as sinuosidades, mas o importante Senador precisava de espaço, então tome rédeas as suas curvas.

Viram-se atados, corriam para o mesmo fim, e embora por muito tempo apenas tolerassem-se, passaram, com o passar dos anos a se admirar. O Senador admirava a beleza brejeira, a simplicidade, mas também sua força, sua impetuosidade. O caipira gostava, embora não admitisse, da sua força modernizadora, do jeito duro, reto.

Tudo caminhava normalmente até a primeira grande chuva! Ambos assustaram-se! Sozinhos, distantes, buscaram apoio um no outro, mas o Senador era o mais assustado, via as águas subirem no seu ponto de encontro com “Seo” Piraporinha, mas seu parceiro, Couros não teve dúvida, mandos as favas os pudores, e percebendo a aflição daquele que a tanto lhe acompanhava, esqueceu-se dos problemas, do que os outros iriam dizer e, com amor, cobriu o Senador.

Das primeiras vezes foi mansamente, quase imperceptível, mas conforme o tempo foi passando era cada vez mais intenso e mais duradouro.

O irmão do Senador, John, acompanhava pelos jornais o escândalo, e, embora também visse seu quase vizinho Lauro Gomes engalfinhar-se as vezes com o Ribeirão dos Meninos, não conformava-se  com um membro de sua família a ter coisas com um “Riachinho qualquer”.

Mas o amor de ambos jamais arrefeceu, e podemos dizer que hoje, dia 19/01/2012, A Avenida Senador Robert Kennedy e o Ribeirão dos Couros uniram-se em matrimônio. A cerimônia foi realizada por São Pedro e “Seo”Piraporinha foi o padrinho.

Desejamos que esta linda história de amor continue! E que hoje, a Lua de Mel, seja perfeita!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sócrates!

Não, eu não sou corintiano. 

Só que também não acho que dá pra mover a figura do Sócrates para outro universo que não seja o universo do alvi-negro. Ele era uma grande parte do que é o Corinthians, e o Corinthians foi sua vida também.

Sócrates fez as escolhas todas, certas ou erradas sempre com inteligencia fora do comum, assim como fora do comum era ver aquele homem magérrimo, lento, alto, fazendo o jogo ser rápido. Se quer saber o que é um jogar cerebral, só posso citar esse cara.

A bola corria, e ele mandava nela, o tempo todo o jogo era dele, a bola era dele, e me matava de inveja ver esse cara ali, entre a grande aérea e o círculo central com a camisa branca, os calções negros e não era no meu time.

Sócrates foi o doutor, o mestre. Todo mundo gostava do Zico, do Falcão, do Careca, reconheço todos, mas eu tenho um defeito: Eu preciso gostar do homem por trás do jogador, e desculpem-me os fãs desses outros caras, mas homem maior que o Sócrates foram poucos que vi.

Ele levou as coisas pra além da linha do campo, invejo sim a democracia corintiana, invejei todas as vezes que ouvi ele falar dá época, invejo ver o Sócrates nos comícios das Diretas Já. Pode ficar feliz corintiano, eu sinto uma certa inveja de não ter tido o Sócrates como ídolo do meu time.

O Corinthians precisava do Sócrates? Claro que sim, mas ele só foi e fez o que fez porque era o Corinthians, era ali que tinha que ser, e embora não possa estar feliz com o campeonato que ganharam, não consigo pensar em forma melhor da morte deste gênio ser "esquecida", não porque as pessoas não falem da sua morte, mas o Corinthians campeão fez dessa morte só um sorriso triste no meio da comemoração.

Detesto o Corinthians, exatamente porque também fui um apaixonado pelo jogador/homem Sócrates.

Parabéns corintianos, não pelo campeonato de ontem, mas pelo ídolo que só o time de vocês poderia ter.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Biografia Ficcional: Claudio (sem acento)

O seu nome é ignorável, embora se chame Claudio. Assim, sem acento mesmo.
Um homem comum, tão comum que chega a ser estranho.

Claudio tem todas as manias! Ele nem pode ouvir alguém contando uma mania que ele logo pega.
Os amigos brincam que ele é um “hipocondríaco” das manias, ele vê alguém evitando passar pela sombra de algum portão, ele logo passa a fazer igual, Claudio é uma esponja de manias!

Trabalha num banco, desses funcionários que, se você não é bancário, não sabe dizer o que faz. Ele não fica nos caixas, ele não atende junto aos gerentes... Diz algo sobre análise de crédito e eficiência gerencial. A verdade é que ele só está nisso porque ganha bem.

Dentre as milhares de manias de Claudio uma lhe causa especial embaraço. Ele não tem problema em usar o banheiro de outros lugares que não sejam a sua casa, pra ele tudo bem, o problema é que ele tem que sempre ir ao mesmo mictório ou privada que foi da primeira vez. Se ele vai num shopping e usa o banheiro, todas as vezes que for lá usará o mesmo banheiro (e dane-se qual lado do shopping ele vá depois, ele atravessa tudo se for preciso) e também o mesmo mictório ou privada.
Quantas vezes ele já não entrou no banheiro do banco, apertadíssimo, e mesmo tendo várias privadas vazias ele esperava desocuparem aquela que ele sempre vai. Ele já pensou em ir a um psicólogo ou terapeuta, mas sempre tem algum gasto que ele acha mais importante, como a fonoaudióloga do seu filho mais novo

Mas Claudio lida bem com isso, suas manias fazem parte de sua vida tão naturalmente que só quando alguém percebe uma nova ele se toca. Sua atual esposa (a primeira separou-se dele quando começou sua mania de dormir com 4 travesseiros e com a perna esquerda descoberta) evita comentar qualquer coisa sobre suas manias, pois ele tem tantas que as vezes esquece, é só ninguém comentar nada que ele abandona, assim, tão natural quanto quando ele adquire.

Claudio é desses caras que ouve muito, aliás pode até ser chamado de calado, mesmo sozinho no carro quando toca uma musica que ele gosta ele só ouve, nem fica balbuciando, até parece que ele não gosta da voz dele...

Na ultima semana Claudio estava tomando café quando ouviu alguém comentar isso “Claudio fala tão pouco que parece que nem gosta da voz dele.”

Claudio entrou em parafuso, sabe que não é isso, mas começa a evitar, mais ainda, falar, como se fosse mais uma de suas manias. Claudio passa a não falar...

No final de um domingo qualquer Claudio assistia seu filho brincar na rua, quando avistou um carro vindo, ainda estava com sua mania besta de não falar e por isso não gritou por seu filho, que foi atropelado pelo carro...

Claudio não era mais um cara comum, Claudio agora era um ser não funcional, internado continua sem falar e passa o dia escrevendo nas paredes e em qualquer papel que pega: “Olha o carro filho!” 

terça-feira, 29 de março de 2011

O Maior Torcedor do São Paulo

Engraçado, não acho que a maior façanha da vida de Rogério Ceni tenha sido completar os 100 gols. Embora o enredo em que se deu este feito seja surreal (se fosse uma peça de ficção nos riríamos dizendo que é perfeito demais) não acho que este seja o momento maior de sua carreira.

Lembro-me bem de jogos maravilhosos onde R. Ceni foi tão bem, jogou tanto, que pensava, triste, que havia chegado ali ao mais alto de sua carreira, que não faria mais nada parecido.
Quando fez dois gols contra o Tigres (de falta!), quando pegou penalti e empatou um jogo contra o Cruzeiro (Cruzeiro de Fábio, sua maior vítima) e, o exemplo maior, quando ele jogou a final do tricampeonato mundial, contra o Liverpool, em que simplesmente foi a melhor atuação que eu já vi, porque ele não fez defesas impossíveis, foi mais que isso, ele tirou gols, achei que enfim ele havia chegado ao máximo de sua forma. Mas ai, ele continuou, ainda melhor, e ganhou 3 Campeonatos Brasileiros.

Ele não é unanimidade dentro da torcida, embora hoje todos sejam fãs do Rogério Ceni, sempre teve aquele que dizia que “qualquer hora a gente perde com gol de rebote de uma falta dele” ou “ele fica querendo jogar todos os jogos entra machucado e prejudica o time” ou a clássica “direto toma gol porque fica de joelhos...”
Aceito isso, ok, quando o Zetti saiu do gol do São Paulo eu quase chorei, pra mim o São Paulo perdia uma parte dele, eu preferia ver o São Paulo sem o Morumbi que ver sem o Zetti... ai, pra piorar, ao invés de contratarem um goleiro consagrado, efetivaram aquele cara narigudo, que embora já fosse o titular do Expressinho, me trazia muita desconfiança.

Foi só o tempo que trouxe o Rogério para os braços e o amor da torcida. Quando ele começou a fazer gols era muita novidade, foi num período horrível para nós são-paulinos, não ganhávamos nada, o Morumbi estava sendo reformado, mas comemorávamos a novidade do nosso goleiro fazer gols. E nesse período o Rogério estava lá, pressionando os lábios para se concentrar, orientando a defesa, e sofrendo não só com o time pelas derrotas, mas sofrendo com o time e com a torcida.

Daí quando chamam ele de fominha, que quer jogar todos os jogos eu lembro que quando o time tava uma draga danada ele nunca fugiu da raia, jogava todos os jogos, perdia, tomava goleada, e continuava lá, e, agora consagrado, com um time melhor a sua frente, por que ele iria querer jogar menos?

Tem gente que o chama de Mito, dizem ser o melhor jogador da história do São Paulo, o maior ídolo, o maior vencedor, o melhor goleiro... não concordo com nada disso, ele próprio diz que cada época tem seu grande ídolo, e ele fica feliz se um dia entrar no Hall dos grandes, mas com ele eu também não concordo.

Ele não é mito, ele não é o melhor jogador da história e nem é o melhor goleiro. Mito não existe, o melhor jogador a vestir o manto sagrado foi o Canhoteiro, o melhor goleiro foi o Valdir Peres (ou Zetti), o maior ídolo talvez tenha sido o Pedro Rocha ou o Raí...

Rogério é mais que isso, Rogério é um privilegiado, pois o Rogério é o maior torcedor do São Paulo e tem a sorte de jogar a quase 21 anos no clube que ele mais ama. O Rogério é cada um dos 15 milhões de torcedores, é nosso representante no campo, é quem sofre o mesmo que eu quando tomamos um gol, é o que sai de campo acabado, chorando, quando o time é eliminado, e sofre mais que eu, porque no fim eu posso xingar um jogador, dizer que se estivesse lá seria diferente, ele não, ele está em campo. Por isso sabe que cada pulo que der, cada defesa que fizer tem que ser o máximo, nada menos que isso ele próprio não vai aceitar, porque ele não é o goleiro, nem o goleiro-artilheiro, ele é o torcedor, e ao torcedor Rogério Ceni só a vitória interessa.

Não se sei cabe agradecimentos pelos 100 gols, ele fez isso e fará ainda mais sendo mais feliz que eu com os gols que faz, sendo mais feliz que eu com as defesas que faz.

Rogério Ceni foi o jogador que eu vi envelhecer, acompanhei sua carreira inteira, vi os cabelos dele (assim como os meus) ficaram mais ralos, o vi perder aquele ar de garotão, o vi casar, ter suas filhas, ele virou um senhor bem a nossa frente, e as vezes isso faz com que eu me sinta parte de sua história, faz com que eu ache que para ele também foi importante o primeiro jogo em que eu fui que ele fez gol.
Também faz com que, naquele jogo contra o Inter do ano passado quando ele saiu chorando de campo, eu tivesse vontade de esperar ele sair pra dizer que estávamos juntos que, como muitas vezes gritamos e batemos no peito quando da vitória, também estávamos agora chorando e lamentando juntos.

Toda vez que penso num exemplo de profissional me vem ele na cabeça, de estabelecer metas e correr atrás delas... mas não, não vou falar sobre isso, prefiro, e sempre vou preferir, o jogador-torcedor, que faz preleções como um líder tem que fazer, que sabe que quando diz algo, qualquer coisa, isso será repetido por nós, não por ele ser o jogador ídolo, não por ele ser o líder do time, mas por ele ser um de nós, torcedores.

Continue Ceni, só isso...

domingo, 13 de março de 2011

Enganar-se...

Ele desconfiava dela...
Nada sério num primeiro momento, casados a mais de 8 anos, um garoto de 5, ele fingia as vezes não perceber as distrações dela, seu olhar perdido, o sorrisinho no rosto... mas percebia.

Ele trabalhava praticamente o dia todo, gerente de loja de sapatos.
Ela tinha parado de trabalhar para cuidar do garoto, mas agora que ele já podia ir à escola ela tinha voltado ao trabalho. Não precisava ajudar nas contas de casa e por isso pegou umas aulas só pra ter o que fazer mesmo, e também conhecer outras pessoas, enfim, sair um pouco de casa...

Mas ele vinha achando estranho o fato de ela quase não ter provas ou trabalhos para corrigir, das roupas cada vez mais bonitas para ir dar aula, não achava que devia comentar, afinal ela abdicou de tanta coisa pelos dois, que agora ela tinha direito a se arrumar sim. Mas, claro, a pulga estava lá, caminhando atrás da orelha.

Foi no futebol de quarta a primeira vez que ele achou que tinha algo errado. Um dos amigos, um zagueiro bem gordo, deu uma tirada de sarro comentando que o carro dela tinha que dar uma lavada, que ele viu o carro andando perto de onde ele trabalha e tava imundo. Ele riu, disse que carro de mulher é foda e encerrou o assunto... mas o que diabos ela estava fazendo tão longe da escola?

Ele comentou com ela, ela falou sobre uma loja de malhas... ele engoliu, não quis criar caso, além disso, era sua mulher, por que mentiria pra ele? Embora ele ainda estivesse calculando que horário ela estaria passando na tal loja, pra saber senão era hora de estar dando aula...

Então resolveu tirar logo a prova, odiava ficar nessa dúvida, não queria ser um tipo de Bento... contratou um detetive. O cara garantia resposta em até 7 dias. Ele só pediu pra ser informado sobre os dias que ela seria seguida. E assim foi.

Ela tava saindo pra dar aula, ele levava o garoto pra escola (era caminho pra ele), assim ela podia sair um pouco mais tarde. Eles moram num condomio e o carro dela fica estacionado na frente da casa, e quando chegou ao carro tinha um bilhete grudado no para-brisas: “Hoje vai ter alguém te seguindo” Ela estranhou, entrou no carro olhando pros lados...

O detetive ligou, informou que nada tinha acontecido, que ia segui-la no dia seguinte, que ele devia continuar agindo normalmente...

Manhã do dia seguinte, a familia doriana tomando café juntos, ele pegou o garoto, ela pegou sua mala com livros, deram o beijo protocolar de toda manhã (por que fazemos isso? Ele pensou.), ele foi embora. Ela foi até o carro, no para-brisas novamente o bilhete. Ela sorriu, achou estranho, olhou pros lados, amaçou o bilhete e foi embora.

O detetive suava frio, toda vez que a mulher não trai o cara ele não consegue cobrar mais caro, sempre que ele confirma uma traição o cara quer mais detalhes, ele pede mais dinheiro... mas quando não, ele fala, o cara fica aliviado, as vezes chora por ter desconfiado da sua honesta senhora, paga e nunca mais o chama... e agora, depois de 7 dias em que ela só fez ir a escola, ele sabe que vai receber o combinado e mais nada. O detetive liga pra ele, marcam pra conversar no shopping.

O detetive nada entende, ele pediu para continuar a investigação... por mais uma semana. O detetive concordou, pediu o mesmo valor, e foi embora balançando a cabeça.

Ele não parecia estar convencido... ela contiuava sua rotina, cada vez mais distraída e cada vez andando mais bonita. Nem ficar com o garoto ela andava ficando mais, esperava ele chegar e arrumava alguma coisa pra fazer em outro comodo. Ele parecia mais conformado, porém a dúvida lhe atormentava, por isso pedir mais dias ao detetive.

Dia seguinte, a mesma rotina da familia feliz e mais um bilhete no para-brisa... ela começa a ficar nervosa, com medo... quem será que está me seguindo? Pensa ela...

Dias passam, penultimo dia da investigação, o detetive resolve que não vai seguir ela hoje, nem liga pra ele nem nada. Sai pra almoçar e percebe que está bem próximo a escola onde ela trabalha, por desencargo de consciência vai até a escola, no pátio do estacionamento vê ela agarrando-se ao porteiro, escondidos atrás de um caminhão... tira muitas fotos! Sorri satisfeito, muda de posição, não quer que ele tenha dúvida alguma.

Marcam novo encontro, detetive e ele sentam-se na praça de alimentação. Detetive coloca um envolope na sua frente, ele abre, vê as fotos, as lágrimas molham seu olho, ele respira fundo enquanto olha pra cima... Depois de minutos de silêncio ele diz:
- Quando foi que você tirou as fotos?
- Tirei ontem... responde o detetive.
- Mas ontem você não me avisou que ia segui-la! Responde ele em tom ríspido.
- Não ia mesmo, acabei passando perto da escola e a vi... por que?

Ele não responde, paga a conta, pega as fotos e vai até o carro... se senta no capô e fica imaginando como pôde colocar aqueles bilhetinhos no para-brisas dela só pra adiar essa certeza...

sábado, 22 de janeiro de 2011

No coletivo

Vi rostos conhecidos no trem, em pessoas que na verdade nunca vi...
Tudo muito igual à ontem, antes de ontem e com certeza amanhã. Tá calor, é o que penso quando a senhora sentada passa o lenço sobre a testa.

Eu olho para as pessoas e não vejo nenhuma pessoa, vejo dezenas de rostos, e não vejo nenhum, parece tudo uma coisa só, sem forma... Mas os olhos, voltados pro chão, estão lá, assim como as bocas, os narizes, cabelos, ouvidos e seus fones... Por que não vejo ninguém?

Não vou estar aqui amanhã. Alguém perceberá? Tenho certeza que sou mais um desses rostos conhecidos em pessoas que ninguém nunca viu, talvez percebam que tem mais espaço no trem, não farei falta, não aqui no monótono e doente balanço desse trem. Onde farei falta?

Não ouço conversas, ouço múrmuros, algo sobre o calor, sobre a chuva, sobre o trabalho... Dá pra ouvir baixinho o som que sai do fone da menina a minha frente, que com os olhos fechados parece conseguir o que todos aqui querem: fingir estar longe...

Anoto tudo, os pensamentos, as frases escritas nas paredes, e tava lá no caderninho: “O mundo já morreu, e é esse o cheiro dele apodrecendo.” Como ainda posso dormir?

A menina que tava ouvindo música desceu, entraram mais pessoas, quantas histórias a gente perde por não puxar papo? Será que a história dessas pessoas é tão desbotada quanto suas aparências? Caramba... Ainda tem duas estações pra chegar.

Alguém atende o celular, fala alto, parece que quer que saibamos todos o que está acontecendo, que ela está brigando com o namorado... E todos, mesmo que não aparentem, estão prestando atenção, até a conversa sem graça de uma desconhecida parece ser melhor que esta realidade triste que margeia a linha do trem, junto com os barracões abandonados e o mato que cresce...

Não tem nem mesmo mais os tiozinhos que vendem chocolate, bala, caneta, manual do Excel, revista de palavras cruzadas, parece que foi proibido... Eles querem silêncio nos vagões eu acho, ou não querem que mais ninguém, além deles, ganhe dinheiro a custa da nossa falta de opção. Trem, metrô e busão...

A voz feminina diz o nome da estação que desço, e pede pra eu ter cuidado pra não cair no vão entre o trem e a estação, é tudo tão metal frio por aqui, que esboço um sorriso de pensar que aquela gravação esta preocupada com a gente cair e se machucar, porque sabemos que as pessoas, muitas delas, continuarão caminhando, pularão por cima de quem cair e não terão coragem de olhar pra trás, nossas vidas e trabalhos são de fato mais importantes que um descuidado que caiu no chão, mesmo depois da voz pedir cuidado...

“O mundo já morreu, e é esse o cheiro dele apodrecendo.”

sábado, 18 de dezembro de 2010

Um conto periférico

- Oh Arnaldo! Vem dormir Arnaldo! Deixa isso pra lá... Grita a esposa
- Ah mulher... vá dormir você, preciso ver se o vizinho num tá fazendo nada errado. Vá dormir!

Ela dorme, Arnaldo, sentado numa cadeira, abre e fecha uma “flestinha” da janela, deixando um filete de luz iluminar seus olhos pequenos, enquanto tenta ver se o tal vizinho já foi ao telhado novamente... na noite anterior, acordou pra mijar e, como sempre faz, abriu um pouco a janela, e viu o vizinho da frente com um grande saco no telhado...
Nesta noite Arnaldo nada viu... mas:
- Ele deve ter percebido... ou alguém falou pra ele. É isso! Alguém falou pra ele... danado! Mas num me escapa... ele vai ter que subir outro dia, e eu vou tá olhando...

Arnaldo passou 7 meses acordado até as 3 da manhã para “pegar” o tal vizinho, juntou à cadeira um banquinho onde colocava o café, também passou a usar binóculo. Chegava atrasado no trabalho, e no trabalho mal podia se concentrar, comentava:
 - Vocês num lembram que ele tinha uma sogra? Cadê ela? Nunca mais ninguém viu... ele a matou! E escondeu o corpo no telhado...
As vezes alguém perguntava “como ninguém tinha sentido o cheiro Arnaldo?”:
- Também ficava intrigado com isso... mas olha, esse vizinho é muito estranho, ele pode ter dado os restos da sogra pros cachorros, ou até mesmo comido!
Os vizinhos riam, nem cachorro o tal vizinho não tinha, ele não ligava, era dono de uma missão!

Fim de ano e o tal vizinho organiza um churrasco... Arnaldo acredita que é essa a sua chance de descobrir tudo e esfregar na cara de todos que não é louco...
Todos os vizinhos convidados, o falatório era enorme por toda a vila... Arnaldo preparou-se, comprou luvas, de acordo com ele “iguais aquelas dos 'sisiai' que passa na TV”, para não deixar impressões digitais, se tivesse como ele comprava todos os equipamentos que via no seriado...

No churrasco o de sempre, cerveja barata, caipirinhas mal-feitas, uma seleção de músicas que ia do pagode ao funk, passando por sertanejo e até gospel (agora é moda)... Todos sorriam, pegando seu pedaço de maminha com as mãos mesmo, menos Arnaldo, que via naquele churrasco a oportunidade dele de desmascarar o vizinho, e a oportunidade do vizinho de se desfazer do corpo da sogra no carvão ou sabe-se lá como...

Arnaldo então, depois de aceitar tomar a 3º caipirinha, resolve começar a agir...
O vizinho está na churrasqueira, e Arnaldo pergunta:
- Vizinho! Que ótimo seu churrasco! Convidou tanta gente, por que não convidou sua sogra?
Os vizinhos em volta engolem em seco... o vizinho não se abala:
- Ora, porque ela é minha sogra! Todos riem, ele espera todos pararem para completar: Sem zueira, ela mora no interior, nem sempre dá pra gente contar com nossos entes queridos né? Por isso Arnaldo é bom ter bons vizinhos como você, que se preocupam tanto com nossa vida né?

Agora é Arnaldo que engole em seco. Percebe que o vizinho já sabe de suas suspeitas, alarmado, e meio bêbado, resolve que vai resolver tudo ali mesmo:
- Falando nisso vizinho... conta pra gente que tava fazendo no telhado de madrugada carregando um saco?
- Ora, isso é problema meu, mas se você quer saber, seu maluco, eu estava apenas levando os cobertores velhos pra cima... a gente doa os cobertores agora no fim do ano...
- Quer dizer que em junho você guarda os cobertores para doar em dezembro? Sendo que as pessoas precisam deles é no inverno?

Arnaldo não precisa ouvir mais nada, chama sua mulher e vão os dois embora, não sem antes dar um jeito de roubar uma das chaves da casa..

A noite Arnaldo volta a casa, ainda tem muitos convidados na parte da churrasqueira, mas Arnaldo quer saber do telhado.
Coloca as luvas e sobe, se alguém o visse agora também acharia que ele é um membro do “sisiai” da TV.
Ele esquece apenas de uma coisa: o telhado onde ele está não é de concreto, e ele não é um cara magrinho e claro o forro despenca com Arnaldo e tudo na sala de estar do vizinho!
Pessoas gritam, as crianças riem, e Arnaldo, imaginando ser sua “cena final” resolve partir pra cima do vizinho, e engalfinham-se numa luta pela vida! Arnaldo é seguro pelos vizinhos e levado para fora...

No dia seguinte Arnaldo foi internado... suspeita-se que ele tenha mania de perseguição, de acordo com sua esposa... pobre Arnaldo, comenta-se na padaria, ficou louco!

Mas estranhamente todas as pessoas que participaram do churrasco também passam a ser internadas, só que por infecção intestinal...

A vigilância sanitária bate a porta do vizinho, ele não está, apenas a diarista... eles pegam amostra da carne consumida... era realmente carne já um pouco estragada, afinal fazia quase 7 meses que o vizinho guardava os resto de sua sogra no freezer, e, para quem não sabe, carne humana fica putrefata quando cortada e congelada...