sábado, 18 de dezembro de 2010

Um conto periférico

- Oh Arnaldo! Vem dormir Arnaldo! Deixa isso pra lá... Grita a esposa
- Ah mulher... vá dormir você, preciso ver se o vizinho num tá fazendo nada errado. Vá dormir!

Ela dorme, Arnaldo, sentado numa cadeira, abre e fecha uma “flestinha” da janela, deixando um filete de luz iluminar seus olhos pequenos, enquanto tenta ver se o tal vizinho já foi ao telhado novamente... na noite anterior, acordou pra mijar e, como sempre faz, abriu um pouco a janela, e viu o vizinho da frente com um grande saco no telhado...
Nesta noite Arnaldo nada viu... mas:
- Ele deve ter percebido... ou alguém falou pra ele. É isso! Alguém falou pra ele... danado! Mas num me escapa... ele vai ter que subir outro dia, e eu vou tá olhando...

Arnaldo passou 7 meses acordado até as 3 da manhã para “pegar” o tal vizinho, juntou à cadeira um banquinho onde colocava o café, também passou a usar binóculo. Chegava atrasado no trabalho, e no trabalho mal podia se concentrar, comentava:
 - Vocês num lembram que ele tinha uma sogra? Cadê ela? Nunca mais ninguém viu... ele a matou! E escondeu o corpo no telhado...
As vezes alguém perguntava “como ninguém tinha sentido o cheiro Arnaldo?”:
- Também ficava intrigado com isso... mas olha, esse vizinho é muito estranho, ele pode ter dado os restos da sogra pros cachorros, ou até mesmo comido!
Os vizinhos riam, nem cachorro o tal vizinho não tinha, ele não ligava, era dono de uma missão!

Fim de ano e o tal vizinho organiza um churrasco... Arnaldo acredita que é essa a sua chance de descobrir tudo e esfregar na cara de todos que não é louco...
Todos os vizinhos convidados, o falatório era enorme por toda a vila... Arnaldo preparou-se, comprou luvas, de acordo com ele “iguais aquelas dos 'sisiai' que passa na TV”, para não deixar impressões digitais, se tivesse como ele comprava todos os equipamentos que via no seriado...

No churrasco o de sempre, cerveja barata, caipirinhas mal-feitas, uma seleção de músicas que ia do pagode ao funk, passando por sertanejo e até gospel (agora é moda)... Todos sorriam, pegando seu pedaço de maminha com as mãos mesmo, menos Arnaldo, que via naquele churrasco a oportunidade dele de desmascarar o vizinho, e a oportunidade do vizinho de se desfazer do corpo da sogra no carvão ou sabe-se lá como...

Arnaldo então, depois de aceitar tomar a 3º caipirinha, resolve começar a agir...
O vizinho está na churrasqueira, e Arnaldo pergunta:
- Vizinho! Que ótimo seu churrasco! Convidou tanta gente, por que não convidou sua sogra?
Os vizinhos em volta engolem em seco... o vizinho não se abala:
- Ora, porque ela é minha sogra! Todos riem, ele espera todos pararem para completar: Sem zueira, ela mora no interior, nem sempre dá pra gente contar com nossos entes queridos né? Por isso Arnaldo é bom ter bons vizinhos como você, que se preocupam tanto com nossa vida né?

Agora é Arnaldo que engole em seco. Percebe que o vizinho já sabe de suas suspeitas, alarmado, e meio bêbado, resolve que vai resolver tudo ali mesmo:
- Falando nisso vizinho... conta pra gente que tava fazendo no telhado de madrugada carregando um saco?
- Ora, isso é problema meu, mas se você quer saber, seu maluco, eu estava apenas levando os cobertores velhos pra cima... a gente doa os cobertores agora no fim do ano...
- Quer dizer que em junho você guarda os cobertores para doar em dezembro? Sendo que as pessoas precisam deles é no inverno?

Arnaldo não precisa ouvir mais nada, chama sua mulher e vão os dois embora, não sem antes dar um jeito de roubar uma das chaves da casa..

A noite Arnaldo volta a casa, ainda tem muitos convidados na parte da churrasqueira, mas Arnaldo quer saber do telhado.
Coloca as luvas e sobe, se alguém o visse agora também acharia que ele é um membro do “sisiai” da TV.
Ele esquece apenas de uma coisa: o telhado onde ele está não é de concreto, e ele não é um cara magrinho e claro o forro despenca com Arnaldo e tudo na sala de estar do vizinho!
Pessoas gritam, as crianças riem, e Arnaldo, imaginando ser sua “cena final” resolve partir pra cima do vizinho, e engalfinham-se numa luta pela vida! Arnaldo é seguro pelos vizinhos e levado para fora...

No dia seguinte Arnaldo foi internado... suspeita-se que ele tenha mania de perseguição, de acordo com sua esposa... pobre Arnaldo, comenta-se na padaria, ficou louco!

Mas estranhamente todas as pessoas que participaram do churrasco também passam a ser internadas, só que por infecção intestinal...

A vigilância sanitária bate a porta do vizinho, ele não está, apenas a diarista... eles pegam amostra da carne consumida... era realmente carne já um pouco estragada, afinal fazia quase 7 meses que o vizinho guardava os resto de sua sogra no freezer, e, para quem não sabe, carne humana fica putrefata quando cortada e congelada...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Das coisas que não disse ou não fiz...

Nunca disse eu te amo sem vontade de dizer...
Mas já tive, inúmeras vezes, vontade de dizer e não disse!

Nunca fiz intrigas e nem fofoquinhas...
Embora, assim como você, sempre quis saber das últimas!

Nunca menti sem ter um bom motivo...
Embora tenha encontrado na vida pessoas que nunca iam aceitar meus motivos!

Nunca fiz joguinhos com os sentimendos de ninguém...
Mas sei que podem ter caído em minha lábia com esperanças muito grandes!

Nunca disse a sério palavrões para os meus pais...
Embora já os tenha dito à minha irmã e amigos!

Não fiz comícios, não fiz debates, não fiz conchavos...
Mas faço política todos os dias, em todas as minhas relações!

Nunca falei aos meus amigos o quanto os amo e o quão sou grato por eles...
Embora tenha feito e farei tudo ao meu alcance para que fiquem bem!


Não fiz com os outros o que não gostaria que fizessem comigo...
Mas já me vinguei várias vezes quando fizeram comigo!


Nunca falei por trás algo de alguém que não falaria pela frente...
Admito: Essa é mentira! Mas eu tenho um bom motivo!


Não, eu não dei aquele abraço, e aquele beijo na hora que queria...
Embora eu tenha recebido os melhores abraços que poderia ter ganho!


Não ganhei todo o dinheiro que quis...
Mas me diverti o máximo em cada minuto do meu trabalho!


Nunca disse algo para ferir alguém que gosta de mim intencionalmente...
Embora saiba que, mesmo assim, feri várias vezes quem gostava de mim!


Não fiz metade das coisas que pensei que ia fazer...
Mas o que fiz, fiz intensamente até o ultimo minuto!


Eu nem sempre mandei a puta que pariu quem me irritou...
Mas fui tão cinico as vezes, que até eu fiquei puto comigo!


Não disse com palavras aos meus pais que os amava...
Mas os amei e amo tanto que cada palavra pra eles era um "eu te amo" disfarçado!


Não estudei o tanto que acho que deveria...
Mas aprendi muito, e os minutos perdidos nas conversas valerão mais que os perdidos nos livros...


Não fiz milhares de amigos e não tenho centenas de amores...
Mas, embora seja clichê, tenho os melhores dos dois!