sábado, 22 de janeiro de 2011

No coletivo

Vi rostos conhecidos no trem, em pessoas que na verdade nunca vi...
Tudo muito igual à ontem, antes de ontem e com certeza amanhã. Tá calor, é o que penso quando a senhora sentada passa o lenço sobre a testa.

Eu olho para as pessoas e não vejo nenhuma pessoa, vejo dezenas de rostos, e não vejo nenhum, parece tudo uma coisa só, sem forma... Mas os olhos, voltados pro chão, estão lá, assim como as bocas, os narizes, cabelos, ouvidos e seus fones... Por que não vejo ninguém?

Não vou estar aqui amanhã. Alguém perceberá? Tenho certeza que sou mais um desses rostos conhecidos em pessoas que ninguém nunca viu, talvez percebam que tem mais espaço no trem, não farei falta, não aqui no monótono e doente balanço desse trem. Onde farei falta?

Não ouço conversas, ouço múrmuros, algo sobre o calor, sobre a chuva, sobre o trabalho... Dá pra ouvir baixinho o som que sai do fone da menina a minha frente, que com os olhos fechados parece conseguir o que todos aqui querem: fingir estar longe...

Anoto tudo, os pensamentos, as frases escritas nas paredes, e tava lá no caderninho: “O mundo já morreu, e é esse o cheiro dele apodrecendo.” Como ainda posso dormir?

A menina que tava ouvindo música desceu, entraram mais pessoas, quantas histórias a gente perde por não puxar papo? Será que a história dessas pessoas é tão desbotada quanto suas aparências? Caramba... Ainda tem duas estações pra chegar.

Alguém atende o celular, fala alto, parece que quer que saibamos todos o que está acontecendo, que ela está brigando com o namorado... E todos, mesmo que não aparentem, estão prestando atenção, até a conversa sem graça de uma desconhecida parece ser melhor que esta realidade triste que margeia a linha do trem, junto com os barracões abandonados e o mato que cresce...

Não tem nem mesmo mais os tiozinhos que vendem chocolate, bala, caneta, manual do Excel, revista de palavras cruzadas, parece que foi proibido... Eles querem silêncio nos vagões eu acho, ou não querem que mais ninguém, além deles, ganhe dinheiro a custa da nossa falta de opção. Trem, metrô e busão...

A voz feminina diz o nome da estação que desço, e pede pra eu ter cuidado pra não cair no vão entre o trem e a estação, é tudo tão metal frio por aqui, que esboço um sorriso de pensar que aquela gravação esta preocupada com a gente cair e se machucar, porque sabemos que as pessoas, muitas delas, continuarão caminhando, pularão por cima de quem cair e não terão coragem de olhar pra trás, nossas vidas e trabalhos são de fato mais importantes que um descuidado que caiu no chão, mesmo depois da voz pedir cuidado...

“O mundo já morreu, e é esse o cheiro dele apodrecendo.”

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